O ex-ministro dos Transportes angolano, Augusto Tomás, que está a ser julgado por suspeita de má gestão de fundos públicos, disse hoje em tribunal que antes de ser governante já tinha a sua vida “organizada”, com negócios no ramo imobiliário.
Augusto Tomás, que está acusado de cinco infracções, entre as quais o peculato, foi hoje ouvido, pelo segundo dia, em interrogatório, num julgamento em que são igualmente réus outros quatro antigos responsáveis do Conselho Nacional de Carregadores (CNC), igualmente por alegados desvios do erário público.
O ex-ministro reiterou que não beneficiou em nome próprio de qualquer verba do CNC, órgão tutelado pelo Ministério dos Transportes, como vem referido na acusação a apropriação para o réu de 1,5 mil milhões de kwanzas (mais de quatro milhões de euros), 40,5 milhões de dólares (36 milhões de euros) e 13,8 milhões de euros.
Segundo Augusto Tomás, em 1996 iniciou um programa de gestão imobiliária, com um património de cerca de 40 imóveis, que arrendava a empresas petrolíferas a operarem em Angola.
O réu salientou que para adquirir este património recorreu a vários créditos na banca comercial angolana, num valor de cerca de 60 milhões de dólares (53,3 milhões de euros), que, aproveitando o momento alto do negócio, conseguia negociar rendas altas, à volta dos 120 mil dólares (106 mil euros) anuais, permitindo recuperar o capital aplicado e reembolso dos empréstimos.
O antigo governante realçou ainda que entregou, de forma voluntária, aos órgãos competentes da Direcção Nacional de Acção e Investigação Penal (DNIAP), da Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana, os contratos de financiamento, que comprovam a origem dos seus fundos, e os documentos de arrendamento dos imóveis.
De Augusto Tomás, que foi ministro dos Transportes entre 2008 e 2018, o tribunal quis um comentário sobre algumas transferências bancárias em contas que possui em pelo menos oito bancos comerciais que operam no país, tendo o réu confirmado a existência de algumas delas, mas esclareceu que no seu negócio as operações eram feitas em dinheiro, a pronto pagamento e por antecipação.
“Recursos geram recursos, é preciso começar a ver o horizonte temporal dos depósitos. Também informei o (ex)-Presidente da República (José Eduardo dos Santos), que acompanhou a minha vida desde muito jovem, que antes de ser ministro já tinha a minha vida organizada”, alegou o réu em sua defesa.
Na instância do Ministério Público, o réu foi instado a explicar a legalidade de pagamentos de despesas do Ministério dos Transportes pelo CNC, tendo este respondido que nada foi feito de forma ilegal, salientando que estava tudo dentro das normas, que era uma prática e que havia autorização superior para o efeito.
Relativamente ao programa de bolsas de estudo interna e externas, criado em 2009, que a acusação diz ter causado ao Estado um prejuízo ao Estado de 2.156.309,93 dólares (1,9 milhões de euros) e 264.582,76 euros, no período entre 2010 a 2018, Augusto Tomás disse que até 2015 não tinha conhecimento deste programa, motivo que o levou a exonerar do cargo o prófugo Francisco Itembo, à data dos factos director-geral do CNC.
A magistrada do Ministério Público insistiu na questão, para saber se tinha conhecimento das pessoas que beneficiaram ao longo de cerca de seis anos destas bolsas, mas Augusto Tomás respondeu que desconhecia, tendo orientado que fosse concluída a formação dos que já haviam sido favorecidos e privilegiada a formação interna de quadros no Instituto Superior de Gestão e Logística do Ministério dos Transportes, criada com este efeito.
O Tribunal Supremo está a julgar, além de Augusto Tomás, os co-réus Isabel Bragança, acusada de se ter apropriado indevidamente de 34,1 milhões de kwanzas (91,5 mil euros), mais 110.493 dólares (98 mil euros) e 276.500 euros, Rui Moita acusado de se ter apropriado de 5,5 milhões de kwanzas (14,7 mil euros), 37.000 dólares (32,9 mil euros) e 1.000 euros, Manuel Paulo acusado de ter ficado com 7,2 milhões de kwanzas (19,3 mil euros), 32.100 dólares (28,6 mil euros) e 8.000 euros, e Eurico da Silva acusado de ter beneficiado de 325.000 dólares (289 mil euros), 10 milhões de kwanzas (26,8 mil euros) e outros 195.000 dólares (173 mil euros).
Os réus são acusados dos crimes de peculato, associação criminosa, branqueamento de capitais, abuso de poder, compulsão, participação económica em negócio, recebimento indevido de valores e de violação das normas do plano de execução de orçamento, com uma responsabilidade solidária na apropriação de 507 milhões de dólares (452,4 milhões de euros) e 3,4 milhões de euros.
O peculato é, de facto e de jure, um crime que consiste no desvio ou no roubo de dinheiros públicos por quem os tinha a seu cargo. Mas será que continua a ser crime punível se foi praticado também para usufruto das mais altas entidades do país e para benefício do único partido que está no governo desde 1975, o MPLA? Mas, no caso de Augusto Tomás, será crime se ele requerer em sua defesa o testemunho do actual e do ex-Presidente do MPLA, e eles aceitarem depor?
A sessão será retomada quinta-feira, ainda com o interrogatório ao réu Augusto Tomás, que se encontra em prisão preventiva desde 21 de Setembro de 2018.
Folha 8 com Lusa